Eugénio Costa Almeida
Nos últimos dias a situação na fronteira entre a República Democrática do Congo (RDC) e o Ruanda tem estado periclitante devido a recentes movimentos insurrecionais do “adormecido” movimento rebelde terrorista Movimento 23-Março (M-23), em particular, na área de Goma, na província fronteiriça do Kivu Norte, pondo fim a um acordo de paz que vigorava desde Dezembro de 2013.
Esta actividade teve um crescente nas duas últimas semanas com Kinshasa a acusar Kigali de apoiar os rebeldes, e de preparar uma invasão, tendo, por esse facto, a diplomacia congolesa-democrática denunciado, no passado dia 17 «todos os protocolos de acordos, acordos e convenções celebrados com o Ruanda», no que é um sinónimo de uma forte escalada da tensão na área, o que coloca em causa todos os esforços diplomáticos que Luanda, através do presidente João Lourenço, tem mantido na área.
Não esqueçamos o Memorando de Entendimento de Luanda, de Agosto de 2019, que, embora fosse entre Uganda e Ruanda, tinha subjacente, também, regularização diplomática entre os dois K’s (Kinshasa e Kigali).
Só que os líderes dos dois países são, o que se pode dizer, dois potenciais galitos para um delicado, poderoso e rico poleiro chamado Grandes Lagos; em particular as zonas das províncias fronteiriças do nordeste da RDC de Kivu (Norte e Sul), Ituri e Alto Uele e do centro e leste de Cassai (Cassai, Cassai Central e Cassai Oriental) – estas próximas de Angola – e de Tanganica e Alto Lomami.
Há coisas que a História não esquece porque estão registadas, e há memórias que também não o esquecem quando por detrás delas há derrotas pouco “aceitáveis”.
Estas crises entre congoleses-democráticos e ruandeses remontam, primeiro ao fim da “dinastia” de Mobutu e ao início do período dos Kabila – Laurent-Désiré Kabila (o pai) e que continuou com o Joseph Kabila Kabange (filho) –, em especial com a crise de 1998 quando Kabila (pai) decidiu colocar em causa cerca de 1 milhão de ruandeses – os tutsis banyamulenge –, supostamente refugiados mas que, na realidade, dominavam uma parte significativa da economia da região, o que levou a uma rebelião por parte dos banyamulenge e das suas milícias e que tiveram apoio do Uganda e, principalmente, do Ruanda, desencadeando uma guerra – a II Guerra do Congo (1998 a 2003) – na área e que levou Laurent Kabila, em pré-derrota militar a solicitar o apoio de Angola, Chade, Namíbia e Zimbabwé que alteraram o curso do conflito a favor de Kabila.
Ora esta situação, ainda que não tenha sio considerada como uma derrota total dos ruandeses, mas que levou a uma quase imposição de acordos entre RDC e Ruanda e promessa por parte de Kabila de eleições e de um Acordo de cassar-fogo de Lusaka, de Julho de 1999, mas que não teve qualquer efeito e, mais tarde, os Acordos de Sun City e de Petrória, patrocinados pelo então presidente sul-africano Thabo Mbeki. Os ruandeses, em particular Paul Kagame, presidente ruandês desde 2000, sempre consideraram estes acordos como uma derrota…
Há um texto de Deutsch Welle «RDC-Rwanda, aux origines de la crise» que ajuda a explicar esta crise entre RDC e Ruanda e que se tiverem hipóteses deverão procurar ler…
Sun Bin, antigo discípulo de Sun Tzu, nas suas conversas com imperadores chineses, tem uma frase que mostra como Kagame preparou – e tem preparado – as suas forças armadas para suportar conflitos fortes com “inimigos” fortes. Dizia Bin que, quem queira pretender recorrer à agitação entre os povos de um estado inimigo, para diminuir a força das tropas do estado inimigo, deverá usar outras forças sob pena e esgotarem as próprias forças militares. E o que propunha Bin, que se a luta seja feita através da tranquilidade do tempo, porque com isso obter-se-ão vitórias por via da erosão das forças inimigas. De certa forma, Bin segue a linha de pensamento do seu Mestre, que afirmava que “um exército é vitorioso se procura vencer antes de combater”.
E o que tem acontecido na RDC? Erosão das FARDC, com a incapacidade destas em fazerem frente aos inúmeros movimentos insurrecionais, erosão de economia congolesa-democrática, ao ver parte da sua riqueza mineral ser comercializada pelos movimentos rebeldes e, porque isso tem sio mote de Kigali – e, também, de Kampala – a mira nos principais minérios da RDC.
E como se sabe, a RDC é um dos principais produtores de minérios nobres e de areias raras, usadas, principalmente, na alta tecnologia.
E o que tem feito Kagame para levar o Ruanda ao que se predispõe, ou seja, anexar alguns territórios da RDC, como Kabila já o acusava? Exaurir o sistema político, económico e militar da RDC com apoios intermitentes de Kampala. Esta extenuação congolesa-democrática começa a ter os frutos para Kigali e para Paul Kagame.
As primeiras medidas de Kagame foi expor que um país sem grandes recursos naturais e com uma economia baseada, no essencial, na agricultura, pode se prosperar, ao ponto de mostrar um país limpo, sem grandes convulsões políticas – os opositores estão no exterior e alguns ão “devolvidos” a Kigali devido a acordos com países terceiros, como os recentemente celebrados com Moçambique, certamente, no âmbito do apoio militar contra a insurreição armada islamita na província moçambicana e Cabo Delgado –, apoio publicitário num dos principais clubes britânicos, e uma forte Forças Armadas com capacidade de projecção externa de que a presença em Moçambique se tornou na primeira manifestação dessa capacidade que coloca os seus vizinhos, incluindo o Uganda e Burundi em situação de pré-conflitualidade.
Se a assinatura do Memorando de Entendimento de Luanda com o Uganda, levou a uma diminuição dessa conflitualidade com Kampala, e elevou João Lourenço ao patamar de patrocinador de diplomacia anti-guerra e de manutenção de paz na área, a afirmação da forte capacidade das forças ruandesas em Moçambique e o súbito reaparecimento do M-23 fazem prever que Paul Kagame estará a preparar a “revanche” de 2003.
Talvez por isso, e como refere o site da Africa Intelligence (AI), o esfriamento das relações entre Kinshasa e Kigali esteja a despoletar um forte a “diplomacia equilibristas” por parte de Emmamuel Macron com conversas telefónicas entre este e Kagame e Tshisekedi, facto que ocorre desde o passado dia 17 de Junho, ainda que Macron sublinhe que estes telefonemos são em apoio à diplomacia angolana. Na realidade e na minha opinião é um “reencontro” de França com os dois potenciais “inimigos” e a preservação das principais fontes minerais para a sua alta tecnologia; até porque, e como recorda um recente texto do AI, Macron tem usado Sarkozy e as suas próximas relações com Kagame …
Sabendo-se que a situação é crítica e que o presidente João Lourenço parece começar a não conseguir reunião consensos entre Kinshasa e Kigali, ou como reforço dessas tentativas de normalização que a diplomacia “give-and-take” de João Lourenço – espero que o Novo Jornal possa, em breve, vos mostrar qual é esta diplomacia, num texto meu – a EAC (Comunidade da África Oriental), numa cimeira patrocinada pelo presidente queniano Uhuru Kenyatta, decidiu activar a sua Santdby-force (Eastern Africa Standby Force – EASF) para
“em cooperação com o Exército e as forças administrativas da República Democrática do Congo, procurar estabilizar e garantir a paz” na região e evitar possível confronto com o Ruanda.
De notar que nesta cimeira, ocorrida no passado dia 21, além do presidente queniano, anfitrião da cimeira e que preside atualmente à EAC/COA, estiveram presentes, os presidentes da RDC, Félix Tshisekedi, do Ruanda, Paul Kagame, do Uganda, Yoweri Museveni, do Burundi, Evariste Ndayishimiye, e Sudão do Sul, Salva Kiir, e com a observação do embaixador da Tanzânia, Stephen Simbachawene.
Veremos se será uma efectiva força de paz – algo que a MONUSCo, missão e paz da ONU na RDC não o tem conseguido ao longo deste cerca de 20 anos – ou se será um factor de tempo para Kagame preparar, melhor, a possível ocupação territorial do leste da RDC.
Exemplos não lhe faltam…

Publicado no Novo Jornal, na ed. 741, de 2022Junho24; aceder ao texto publicado no portal/site 
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