Durante uns anos, a prioridade do Quai d'Orsay e do Palácio do Eliseu era manter a França dentro dos problemas africanos não como uma potência amiga e solidária mas, realmente, como um potência colonizadora, policial e interferente.
Mudaram os inquilinos franceses e, parecia, ia mudar a política francesa. Puro engano como se viu com a intervenção, claramente justificada, embora dependendo da perspectiva e dos actores ou observadores, no Mali. Tinha ocorrido, alguns meses antes um Coup d’ État que havia derrubado um Governo legitimado pelo voto. Um golpe criticado e censurado pela União Africana e pela Comunidade Internacional, França incluída. Vários desenvolvimentos internos acabaram por sancionar o criticável: o Golpe de Estado, diga-se, um acto que começa a ser enquadrado nos factos habituais…
Mas se o golpe maliano acabou “legitimado” os desenvolvimentos subsequentes, como a secessão do norte do país por rebeldes, ditos próximos dos jihadistas, acabou por mudar a “nova” política francesa de não-interferência de Hollande e retornar à “velha” política de polícia de África de De Gaulle e amigos com a entrada no Mali sob a capa de uma Resolução das Nações Unidas para recuperar a territorialidade maliana e defender os valores morais, culturais e nacionais dos malianos contra os valores extremistas de movimentos islâmicos.
Pois, numa altura que a França começava a preparar a saída dos seus militares do Mali onde já consideravam ter acabado a missão de reconquistas territorial maliana e entregue a defesa nacional aos militares malianos – que foram quem derrubaram o poder legitimado pelo voto – eis que surge, ao lado, um novo caso de ataque às instituições democráticas eleitas pelo povo. Na República Centro-Africana o poder é atacado e derrubado por um movimento rebelde, próximo dos jihadistas, liderado por Michel Djotodia; e o presidente, François Bozizé, é obrigado a fugir para o Congo Democrático procurando, deste modo, manter legítimas, perante a comunidade internacional, o seu direito ao cadeirão do Poder.
E onde estavam as tropas francesas que, segundo Paris, estão sempre operacionais para manterem a legitimidade constitucional e evitar a tomada de poder por extremistas islâmicos ou similares? Somente no aeroporto, para onde foram, posteriormente, e para manter livre a porta de saída dos europeus que o desejarem…
O que terá levado os franceses estarem tão distraídos relativamente aos rápidos desenvolvimentos político-militares em Bangui para os rebeldes da Seleka terem entrado livre e rapidamente na capital centro-africana? Como alerta Juan Aguirre Muños, o bispo de Bangassou, os rebeldes de Seleka são tão jihadistas como os de Mali e a maioria só falam árabe. E o que estão a fazer os militares de vários países centro-africanos e da África do Sul estacionados a cerca de 80 km de Bangui que nada previram e nada evitaram?
Será que esperam que os jihadistas avancem para Obo, no sul, onde estão estacionadas tropas do Uganda, que combatem os rebeldes do Exército do Senhor (LRA), apoiados por militares centro-africanos e norte-americanos? Será por isso que os franceses descuraram o seu habitual aliado centro-africano pensando que os outros interfeririam num possível ataque jahidista que, como cita Adelino Maltez, politólogo português, apresentam-se numa desordem “bem organizada, nesta anarquia ordenada”?
O ridículo haveria de chegar do extremo austral do continente através das palavras do presidente sul-africano quando Zuma considerou estar orgulhoso dos cerca de 2000 soldados sul-africanos que «combateram os "bandidos"». Linear e ridículo e por isso os rebeldes entraram em Bangui tão pronta quanto rapidamente. Olha se não tivessem combatido os jihadistas….
E como se mostra a União Africana com mais um golpe de Estado no Continente? O Conselho da Paz e Segurança da UA decidiu já suspender a República Centro-Africana das actividades da União e aprovar sanções contra sete responsáveis da Séléka. Ridículo! Não é só com suspensões que a UA vai acabar com os Golpes de Estado. Até porque as medidas nunca são iguais. Recordemos a Guiné-Bissau…
Enquanto nós vamos digerindo mais um Golpe no nosso continente aproveito para desejar aos leitores do nosso Novo Jornal votos de Boa Páscoa e muita ponderação.
Publicado no Novo Jornal, edição 271, de 29.Mar.2013, 1.º Caderno, pág. 21.