Desde há cerca de 2 semanas que o Sudão – aquele país que alguns observadores internacionais continuam a referir como o «antigo país maior de África» (porque será, saudosismo, não reconhecimento da sua divisão, interesses económicos e políticos subjacentes?) – está em chamas devido a um conflito interno – uma guerra-menor (ou guerra-civil) nada pequena e bem maior – “criada” por 2 generais locais: o general Abdel Fattah al-Burhan, das Forças Armadas sudanesas (SAF) e que lidera o Conselho Soberano que governa o país, desde o Golpe de 2021; e o general Mohammed Hamdan Dagalo ou “Hemetti”, das Forças de Reacção Rápida (RSF), antigo líder da milícia pré-FSF, “Yanyawid”, e vice-presidente do Conselho Soberano.
Como nota complementar, as RSF/FRR, foram criadas em 2017, pelo antigo ditador Omar al-Bashir, como uma força de segurança independente, em reconhecimento do apoio das milícias Yanyawid às Forças Armadas sudanesas nas lutas contra os, então, insurrectos do Sudão do Sul
Na realidade, não é o país que está em chamas, mas, e por enquanto, tão-só a sua capital, Khartun, que sente os efeitos deste conflito que já provocou centenas de vítimas civis, para “gozo” de dois “galitos da índia que procuram o poleiro mais alto”; e ambos acusados de atrocidades contra a Humanidade, no Darfur e na área que hoje é o Sudão do Sul.
Quais as razões que estão por detrás deste conflito? Esta será, talvez, a pergunta de 1 milhão (da divisa-padrão que hoje, cada um, quiser usar…).
Tudo parece indicar que, como outras “guerras menores” – também ditas, usualmente, de guerras-civis – este conflito, como reconhece o politólogo português e especialista em questões árabes e muçulmanas, Raúl Braga Pires, tem tudo para parecer ser um «proxy war», ou seja, uma guerra por procuração, como algumas que já existem no Heartland africano.
A questão principal está na qualificação dos players (ou actores) externos que estão por detrás deste conflito e o que os motiva.
De facto, o que se percebe é que estamos perante um evidente multipolarismo de interesses político-estratégicos representando o actual “status quo” internacional.
A apoiar o líder al-Burhan estão o Egipto – admite-se que haja militares egípcios a lutar ao lado da SAF –, os EUA, a pragmática China e a Rússia – enquanto Estado, e já veremos porquê desta observação –; os EUA, que mantêm a sua habitual posição de apoiar quem está no poder, ainda que nunca descurem a parte contrária, prefere a estabilidade que o poder militar formal possa transmitir e manter a Rússia e a China sob observação; a Rússia, o Estado, não nega um apoio discreto a al-Burhan, dado que este prometeu conceder terrenos no Mar Vermelho para construção de uma base naval militar semelhante aos que os EUA, a China e a França detêm no Djibuti, da premissa de manter a possibilidade de exploração do uro sudanês, prometida desde a ditadura de al-Bashir, e porque, como muitos países africanos, o Sudão “oficial” é um excelente comprador de armamento russo; já a China, que apesar de já não carecer tanto do petróleo sudanês, prefere manter o seu habitual pragmatismo de manutenção do “esperar e ver” e de manter a arteira petrolífera aberta, aliada à sua necessidade de “estar de olho” na “amiga” Rússia porque se for por diante a construção da base naval russa no Mar Vermelho, pode colocar em causa a sua “One Belt One Road” marítima para o Ocidente.
Por sua vez, “Hemetti” Dagalo recebe o apoio de importantes países árabes, nomeadamente da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos – que não esquecem o apoio que as RSF/FRR lhes deram no Yémen –, do todo-poderoso marechal líbio rebelde Khalifa Haftar – paradoxalmente ainda não se percebeu qual a posição do Governo oficial líbio, em Tripoli, o Governo de Unidade Nacional liderado por Abdulhamid Dbeida –, do Grupo Wagner – ou seja, do apoio não-oficial da Rússia a outra das partes, com o ouro sempre presente e que Hemetti explora desde al-Bashir – que procura aumentar a sua presença na área, juntando ao poder que já detém na República Centro-Africana, quer com a venda de armamento, quer com a vantagem de estar perto das explorações auríferas sudanesas.
Entretanto, países vizinhos como Etiópia, Eritreia e Sudão do Sul apesar de reter uma certa simpatia por Hemetti – em especial, os dois primeiros onde o general rebelde esteve a ajudar, ambas as partes, com militares da RSF/FRR nas suas contendas – mantêm uma posição de “esperar para ver”.
E neste ínterim o povo sudanês continua sem ter o sossego que deseja e a democracia que lhes foi prometida pelos dois líderes do Conselho Soberano. Enquanto poleiro estiver à vista e os apoios se acharem disponíveis…
Publicado no Novo Jornal, na edição 783, de 28.Abr.2023, página 34 (aceder ao texto impresso pela imagem ou pelo Novo Jornal)