“O 4 de janeiro de 1961 é uma data fundamental no processo de luta pela independência de Angola (…), é uma data fundamental para ficar na memória dos angolanos, e não só, na luta pela independência de Angola, tal como ‘4 de fevereiro’ e o ‘15 de março’, também do ano de 1961"
(Alberto de Oliveira Pinto, in: DW português para África - online, em 4.Janeiro.2021)
Se as 00 horas do 11 de Novembro de 1975 é para Angola o início da grande caminhada como Nação independente, tudo começou décadas antes.
Provavelmente haverá quem dirá, e com alguma razão, que tudo terá começado quando os europeus que tomaram conhecimento dos povos da região que hoje surperficia Angola, deixaram de olhá-los como parceiros iniciais que eram, e passaram a ter estes Povos como combatíveis e conquistáveis.
Nesta altura, líderes do Reinos do Kongo, da Matamba, de Benguela, do Loango, da Lunda, ou do Bailundo, de Imbangala de Kassange, de Kwanyama-Cuamato, Mbunda, entre outros, só passaram a ter uma opção: combater o invasor. E os Povos que hoje formam Angola, fizeram-no até 1975, numa primeira fase – os portugueses –, e até 1991, numa segunda fase – cubanos e sul-africanos –, quando Angola deixou de ter forças militares estrangeiras em território nacional.
Houveram inúmeras disputas entre os povos Nacionais e portugueses, holandeses e germânicos – estes últimos em períodos curtos e, ou, temporários – entre os anos 30 até meados do século XX, quando as disputas pela nossa plena autonomia passaram dos conflitos paramilitares para a luta subversiva cultural jornalística, literária e panfletária. Foi um florescente período que sem ter parado, bem pelo contrário, foi substituído pela luta armada de Libertação Nacional.
Em regra, todos consideram, oficial ou oficiosamente, que a Libertação Nacional começou a 4 de Fevereiro de 1961, com o ataque à prisão central e à 7ª esquadra da polícia, em Luanda. Outros, dirão, com a sua razão, que, na realidade, a luta armada terá começado em 15 de Março de 1961, com os ataques da UPA (União dos Povos de Angola), no Norte de Angola.
Sem tirar razão a ambos, para mim a Libertação Nacional começou em 4 de Janeiro de 1961, na Baixa de Kassange (ou Baixa de Cassange, na nova versão ortográfica que o Governo implementou em 2018), quando os agricultores algodoeiros nacionais e funcionários da COTONANG (Companhia Geral dos Algodões de Angola), empresa concessionária da exploração algodoeira daquela região, se rebelaram contra a prepotência administrativa desta empresa de origem belga (há quem afirme que, na realidade, a Cotonang era uma empresa do Governo belga).
Por um lado, o não cumprimento de promessas a trabalhadores migrantes provenientes do sul de Angola, a maioria, e o facto da maior parte da população de Kassange ter passado da sua habitual produção agrícola para a obrigatória produção de algodão, e os muito baixos preços que a COTONANG impunha aos agro-algodoeiros, levou à referida revolta.
Sintetizemos, historicamente, o que foi a revolta da Baixa de Kassange. Esta começou com uma greve em 16 de Dezembro de 1960 quando algumas pessoas – entre angolanos e alguns colonos – questionou a imposição do Imposto Geral Mínimo que todos os que tivessem mais de 15 anos teriam de pagar (em Luanda, chamávamo-lo – porque eu ainda o paguei, durante 2 anos, – de “Imposto Cão”) acabando por resvalar para a revolta por várias semanas de Janeiro de 1961, mas que teve o seu ponto mais crítico em 4 de Janeiro, desse ano, quando a revolta foi decapitada por ataques de forças coloniais portuguesas, assentes quer nas parqueadas em Malange, a 3ª. Companhia de Caçadores Especiais (3ª.CCE) e responsável pela área algodoeira, quer pelo ataque dos fracos aviões (rudimentares aparelhos monomotores Auster, de origem britânica,) estacionados na área do Aeródromo-Base nº. 3 (AB 3), em Negage, província do Uíge e cujos aparelhos os pilotos-aviadores ainda estavam a praticar do seu uso.
Segundo uns, terá sido a empresa belga, face à incapacidade para conter a ira e a justa revolta dos trabalhadores rurais, que terá solicitado ajuda ao governo colonial português. Outros, como Oliveira Pinto, por exemplo, realçam, e outros afirmam-no, mesmo, que terá sido o próprio Governo colonial estacionado em Luanda e com a concordância de Lisboa, que temendo a perspectiva de uma influência e presença de indivíduos provenientes do recém-independente Congo-Léopoldville (Congo-Kinshasa ou Congo Democrático) e a influência de peroradores de algumas congregações africanass de base cristã, como o Kibanguismo, o Tocoísmo e outras assentes em conceitos pró-religiosos de origem congolesa belga e francesa, decidiu proceder ao referido ataque de 4 de Janeiro.
Está provada que a reacção colonial foi desproporcionada face à capacidade de defesa dos revoltosos. Centenas de angolanos foram mortos, no que ficou recordado pelo Dia dos Mártires da Repressão Colonial.
Alguma vez este massacre foi alvo de pedido de desculpas por parte de qualquer governante português? Não me recordo que isso tenha, em algum período, tenha ocorrido esse pedido de desculpas. Lembremos que as revoltas tragicamente abafadas do porto de Pidjiguiti, em Bissau (Guiné-Bissau, em Agosto de 1959) e, recentemente, de Wiriyamu (Moçambique, em Dezembro de 1972) foram alvo de um pedido de desculpas por parte de governantes portugueses.
Recordo que há uns anos, em 2006/2007, se a memória colectiva não nos atraiçoa, a Associação para o apoio e Desenvolvimento da Baixa do Kassange terá apresentado uma queixa-crime contra o Governo português, tendo, na altura, a promessa do apoio do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Caso se tenha confirmado a queixa, penso que teria sido uma medida que se devia saudara porque, poderia esclarecer, de vez, a amplitude do massacre.
E a Associação procedeu, também, uma queixa-crime contra a então empresa empregadora, a COTONANG, e, ou, contra o Governo Belga dado que, segundo o que rezaram as crónicas verbais da altura – porque sejamos honestos o que foi escrito foi-o em função daquilo que algumas pessoas transmitiram, nomeadamente, militares e administradores da empresa empregadora –, foi a empresa belga [a maioria assim o continua a pensar] que solicitou o envio de militares para acabar com uma greve laboral que exigia respeito pelos contratos assinados, entre eles o direito à visita – ou retorno – dos trabalhadores aos seus locais de origem?
E, repito, não esqueçamos que, na sua maioria, eram provenientes do sul de Angola; os tais “contratados” muito bem celebrizados por Agostinho Neto e Mingas.
Ainda hoje, decorridos que são quase 63 anos que ocorreu o massacre de 4 de Janeiro de 1961, o Dia dos Mártires da Repressão Colonial, aguardamos que os historiadores – nacionais e portugueses – se juntem e estudem a fundo este ignóbil acto do recente período colonial português. E por quem devem ser distribuídas culpas – e não podem ser só acarretadas a uma das partes –, que vítimas houve – ainda hoje, e conforme os interesses políticos, os números divergem – e para quando um pedido de desculpas de Lisboa.
Publicado no Jornal de Angola, de 18.Nov.2022, na edição “Especial 11 de Novembro” (2º caderno), pág. 6 (para ler o texto integral no JA, clique aqui ou na imagem)
Algumas referências bibliográficas
https://www.noticiaslusofonas.com/view.php?load=arcview&article=21869&catogory=ECAlmeida
https://pululu.blogspot.com/2006/01/ainda-kassange.html
https://albergueespanhol.blogs.sapo.pt/853760.html - José Adelino Maltez
https://pululu.blogspot.com/2016/02/o-4-de-fevereiro-uma-das-data-da.html
https://pululu.blogspot.com/2007/01/o-massacre-de-kassange.html
https://www.rtp.pt/noticias/mundo/mocambique-antonio-costa-pede-desculpas-por-massacre-de-wiryamu_v1430567
https://pt.wikipedia.org/wiki/Massacre_de_Pidjiguiti
https://p.dw.com/p/3nV7Z - Alberto Oliveira Pinto
https://ab4especialistas.blogspot.com/2021/02/ab3-negage-historia-do-aerodromo.html